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Ação de Enriquecimento Ilícito (Cheque)

1 Novembro 2019

Frequentemente nos deparamos com pessoas e empresas detentoras de um tipo específico de título de crédito bastante comum na sociedade brasileira, denominado cheque, o qual faz parte do rol de títulos executivos extrajudiciais trazido pelo artigo 784, inciso I do Código de Processo Civil, uma vez que referido documento goza de presunção de liquidez, certeza e exigibilidade.

Destarte, tal cártula se intitula como uma ordem de pagamento à vista, emitida por uma pessoa física ou jurídica contra um determinado banco, conhecido como sacado, sobre os fundos depositados na respectiva conta bancária, na qual o emitente configura-se titular, no único intuito de fazer com que o sacado pague a quantia estampada no cheque ao portador do documento, chamado apresentante.

Nesse sentido, de acordo com o artigo 33 da Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985, vulgarmente conhecida como Lei do Cheque, o título de crédito deverá ser apresentado para pagamento à instituição bancária sacada, a contar da data de emissão indicada no documento, no prazo máximo de 30 dias, quando este for emitido no lugar onde houver de ser pago, ou no prazo de 60 dias, quando emitido em lugar diverso.

Com a expiração dos prazos supracitados para apresentação, e não sendo compensado positivamente o cheque, surge o prazo prescricional de 6 meses disposto no artigo 59 da Lei do Cheque, para que o portador promova a competente Ação de Execução de Título Extrajudicial prevista no artigo 47 da mesma legislação, desde que tenha ocorrido a devolução pelo banco sacado por qualquer dos motivos elencados pelo Banco Central, salvo nos casos de divergência de assinatura.

Uma vez configurado o instituto da prescrição, ou seja, após a perda da pretensão de ajuizamento da Ação de Execução pelo portador do cheque no lapso temporal de 6 meses para perceber a quantia devida, inicia-se o prazo prescricional de 2 anos para que o mesmo adentre ao judiciário através da Ação de Enriquecimento Ilícito, para buscar a satisfação do seu direito.

A Ação de Enriquecimento Ilícito, ou locupletamento ilícito, tem previsão antiga no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido introduzida, inicialmente, pelo artigo 48 do Decreto nº 2.044/1908, restando reconhecida, posteriormente, pelo Decreto nº 57.663/1966, que trata da tradicional e aclamada Lei Uniforme de Genebra e, hodiernamente, o Código Civil de 2002 trouxe no bojo de seus artigos 884 e seguintes a regulamentação do enriquecimento sem causa.

Contudo, a preocupação do legislador em assegurar a cobrança de cheque através da própria Lei do Cheque fez com que fosse consagrado o seu artigo 61, que prevê que a ação de enriquecimento ilícito baseada em cheque prescreve em 2 anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no artigo 59, anteriormente mencionado.

Mesmo se tratando de um instituto de natureza cognitiva, é pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça que a Ação de Enriquecimento Ilícito dispensa a discussão acerca da relação que ensejou a circulação da cártula de crédito, ou seja, não importa qual o negócio jurídico subjacente, bastando tão somente a posse e a inadimplência do título para sua devida cobrança.

Portanto, a partir da prescrição da pretensão de cobrança de cheque pela via executiva, o portador de referido título de crédito poderá manejar a competente Ação de Enriquecimento Ilícito, visando a obtenção de determinado valor que fora locupletado ilicitamente, com amparo no Código Civil e na Lei Uniforme de Genebra, mas com enfoque, principalmente, no embasamento jurídico sustentado pela Lei do Cheque, garantindo assim o pleno direito do credor prejudicado.